EMPRESA SIMPLES DE CRÉDITO (ESC)
1.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A Empresa Simples de Crédito (ESC) é uma nova
modalidade de negócio criada pela Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de 2019,
com vistas a fomentar o crédito aos empresários individuais, microempresas e
empresas de pequeno porte.
A iniciativa do Governo Federal na criação da
citada Lei Complementar nº 167/2019 partiu de levantamento feito pelo SEBRAE que identificou que 20%
(vinte por cento) dos empresários individuais, microempresas e empresas de
pequeno porte não conseguem acesso à recursos financeiros através das
instituições bancárias, principalmente por falta de linhas específicas para
esse nicho de mercado.
Para suprir essa deficiência de oferta de crédito e
tentar impulsionar o crescimento econômico foi criada a Empresa Simples de
Crédito (ESC), que tem por objetivo oferecer financiamentos e empréstimos, com
recursos próprios e respeitados os requisitos legais, exclusivamente à empresários
individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.
Ao contrário do que muitos pensavam, a ESC não
se trata de uma espécie de banco sem regulamentação ou fiscalização pelo Banco
Central ou pelo COAF (que ficou muito conhecido nos últimos tempos). Em
verdade, a própria LC nº 167/2019 veda a utilização por parte das ESCs da expressão “Banco”
ou outras identificadoras das instituições de crédito reguladas pelo Banco
Central.
A proibição se encontra expressa no § 1º, do
art. 2º, da LC 167/2019:
“§ 1º O nome empresarial de que trata o caput deste artigo conterá a expressão “Empresa Simples de Crédito”, e não poderá constar dele, ou de qualquer texto de divulgação de suas atividades, a expressão “banco” ou outra expressão identificadora de instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.
Além disso, só podem ser sócios de ESCs pessoas
naturais, não sendo possível a constituição por pessoas jurídicas. Cada pessoa física só poderá participar do quadro societário de uma única ESC.
2. DOS
LIMITES DE ATUAÇÃO E CONSTITUIÇÃO
O art. 1º da LC nº 167/2019, além de trazer em seu bojo o conceito
de ESC, estabelece requisitos importantes a serem obedecidos, motivos pelo
qual se mostra relevante sua transcrição:
“Art. 1º A Empresa Simples de Crédito (ESC), de âmbito municipal ou distrital, com atuação exclusivamente no Município de sua sede e em Municípios limítrofes, ou, quando for o caso, no Distrito Federal e em Municípios limítrofes, destina-se à realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Lei do Simples Nacional)”.
A partir do art. 1º da LC 167/2019 é possível
conceituar a Empresa Simples de Crédito (ESC) como empresa destinada à
realização de operações de empréstimo, financiamento e desconto de títulos de
crédito, exclusivamente com recursos próprios,
para microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte,
nos termos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Lei do
Simples Nacional).
O primeiro ponto a que chamamos a atenção é a obrigatoriedade de executar as operações de crédito e financiamento com a utilização de recursos próprio, ou seja, as ESCs estão
expressamente impedidas de captar recursos por qualquer meio, como por exemplo
através de empréstimos.
Isso é o que determina o art. 3º, inciso I, da LC 167/2019:
Isso é o que determina o art. 3º, inciso I, da LC 167/2019:
“Art. 3º É vedada à ESC a realização de:I - qualquer captação de recursos, em nome próprio ou de terceiros, sob pena de enquadramento no crime previsto no art. 16 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional)”.
Além disso, o art. 2º, § 3º, da LC nº 167/2019
limita o valor das operações de crédito e financiamento ao total do capital
integralizado. Atingido esse limite, a ESC fica impedida de conceder novos
créditos.
A área de atuação da ESC é reduzida,
compreendendo apenas o município da sede da empresa e os municípios limítrofes.
Portanto, a escolha do município sede da empresa será de grande importância na ampliação
da atuação territorial, podendo ter grande impacto no faturamento da empresa.
Além de proibir a lei que uma mesma pessoa
física participe do quadro societário de mais de uma ESC, há vedação no § 4º,
do art. 2º, de constituição de filiais. Portanto, a ESC está impedida de
constituir filial, mesmo que dentro do próprio município sede.
A ESC poderá ser constituída nos seguintes
tipos empresariais: empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI),
empresário individual ou sociedade limitada.
Prevê a lei, também, que o Capital Social da
ESC deverá ser integralizado em moeda corrente, ou seja, em dinheiro, não
sendo possível a integralização do capital em bens ou direitos. A mesma regra vale
para os posteriores aumentos de capital.
3. DO
OBJETO, REMUNERAÇÃO E FUNCIONAMENTO
A LC nº 167/2019 restringiu bastante a atuação das
ECS, permitindo apenas o desenvolvimento de atividades de operações de
empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito. Nenhuma outra
atividade pode ser desenvolvida pela ESC sob pena de cometimento de crime,
conforme previsão do art. 9º da lei complementar.
A nosso ver, a limitação imposta tem a
finalidade de impedir que, de forma oblíqua, as empresas passem a exercer outras
atividades próprias das instituições financeiras e fujam da fiscalização e regulamentação
do Banco Central, o que poderá causar fragilização do mercado financeiro
brasileiro e desconfiança por parte dos investidores.
De forma específica, podem as ESCs ofertar:
- Empréstimo: para os fins da ESC, é a transferência de dinheiro ao mutuário (devedor), sob certas condições, mediante a cobrança de juros. É o que se conhece por mútuo feneratício, no caso, empréstimo de dinheiro a juros;
- Financiamento: é uma operação financeira em que uma parte (financiadora) fornece os recursos necessários ao financiado para realização de investimento específico ou aquisição de determinado bem;
- Desconto de Títulos: que consiste na antecipação do valor de determinado título de crédito, antes de seu vencimento, mediante pagamento de determinada quantia por parte do detentor do título de crédito.
Além de limitar o objeto, a lei limita, também,
a forma de remuneração que a ESC poderá dispor, prescrevendo o inciso I, do
art. 5º, que:
“I - a remuneração da ESC somente pode ocorrer por meio de juros remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a forma de tarifa;”
Portanto, a ESC somente poderá cobrar em seus contratos juros remuneratórios sobre as operações realizadas, não sendo possível a
cobrança de qualquer outro encargo ou tarifa, seja a que título for.
A receita bruta anual recebe, também, limitação,
não podendo ser superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil
reais), entendendo-se como receita bruta “a
remuneração auferida pela ESC com a cobrança de juros, inclusive quando
cobertos pela venda do valor do bem objeto de alienação fiduciária”
(parágrafo único, do art. 4º).
Nada obstante a restrição da remuneração, a LC
nº 167/2019 permitiu a utilização da alienação fiduciária em garantia nas
operações das ESCs, o que proporcionará certa segurança à empresa na
recuperação do crédito concedido.
Outra restrição imposta às ESCs está no público
alvo, sendo que somente poderá emprestar para
microempreendedores individuais, microempresa e empresas de pequeno porte, não
podendo emprestar para pessoas físicas e empresas de médio e grande porte.
Atualmente paira dúvida quanto à possibilidade
de empréstimo para produtores rurais pessoas físicas.
Há quem entenda que a Lei Complementar nº 147/2014,
que alterou a Lei Complementar 123/2006 equiparou o produtor rural pessoa
física às micro e pequenas empresas (art. 3º-A) e, por isso, haveria a possibilidade
de empréstimo ao produtor rural pessoa física.
A nosso ver, pela interpretação sistemática dos
arts. 1º, e 5º, III, da LC nº 167/2019, não há como realizar empréstimos a
qualquer pessoa física, mesmo que produtor rural, carecendo a hipótese de
regulamentação expressa frente a proibição legal, não servindo o art. 3º-A, LC
123/2006 para tal operação.
Contudo, não há consenso quanto à possibilidade
de ESC realizar empréstimos a produtores rurais pessoas físicas.
Quanto à taxa de juros a ser cobrada pelas ESC,
registra-se que a LC nº 167/2019 permitiu a cobrança de taxa superior às
previstas no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 (Lei da Usura), e no art.
591 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
Nada obstante essa relativa liberdade na
cobrança dos juros, devemos ter em mente que a taxa de juros não poderá ser
superior às praticadas no mercado, sob pena de serem considerada abusivas com a
correspondente revisão pelo judiciário, como já ocorre hoje com as instituições
financeiras.
4. DAS
OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
Muito embora a operacionalização das ESCs seja
menos burocrática que das demais instituições financeiras, a LC nº 167/2019
impões algumas obrigações acessórias que devem ser respeitadas, podendo ser
citadas:
- º Manter de escrituração com observância das leis comerciais e fiscais e transmitir a Escrituração Contábil Digital (ECD) por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) (art. 8º);
- º Providenciar a anotação, em bancos de dados, de informações de adimplemento e de inadimplemento de seus clientes, na forma da legislação em vigor (§ 2º, do art. 5º);
- º Formalização de contratos por instrumento próprio com fornecimento de cópia à contraparte (art. 5º, II);
- º Movimentação dos recursos deve ser realizada exclusivamente mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade da ESC e da pessoa jurídica contraparte na operação (art. 5º, III);
- ° Identificar seus clientes e manter cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes (art. 9, § único, V, da Lei nº 9.613/98, alterado pelo art. 11, da LC 167/2019);
- ° Manter registro de todas as transações que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas; (art. 9, § único, V, da Lei nº 9.613/98, alterado pelo art. 11, da LC 167/2019);
- ° Cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas (art. 9, § único, V, da Lei nº 9.613/98, alterado pelo art. 11, da LC 167/2019);
- ° Atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas (art. 9, § único, V, da Lei nº 9.613/98, alterado pelo art. 11, da LC 167/2019).
Ressalta-se que a lista de obrigações acima é
exemplificativa, existindo diversas outras obrigações acessórias a serem
atendidas pela ESC na consecução de seus fins.
Não poderá a ESC recolher impostos e
contribuições na forma do Simples Nacional por expressa proibição do art. 17,
da LC nº 123/2006, alterada pelo art. 13, da LC 167/2019.
Por fim, o art. 7º da LC 167/2019, ao contrário
do que ocorre com as instituições financeiros, estabelece que as ESCs estão
sujeitas aos regimes de recuperação judicial e extrajudicial e ao regime
falimentar regulados pela Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de
Falências).
5. DAS
CONCLUSÕES
A Empresa Simples de Crédito (ESC) é uma nova
modalidade de negócio criada pela Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de
2019 e que abre um grande nicho de mercado e oportunidade de negócios para
novos empreendedores, além de possibilitar a obtenção de crédito à pequenas e
médias empresas que não eram atendidas pelas linhas de crédito disponibilizadas pelos bancos e financeiras.
Apenas nos primeiros três meses após a
publicação da Lei Complementar nº 167/2019, foram registradas mais de 200
Empresas Simples de Crédito, o que demonstra a grande demanda para esse tipo de
crédito².
Contudo, nada obstante a simplicidade de
constituição e operação, cuidados devem ser tomados para não extrapolar o
limite de atuação da empresa, o que poderá gerar transtorno futuros e problemas
de ordem administrativa, fiscal e criminal.
REFERÊNCIAS
LEI COMPLEMENTAR Nº 167, DE 24 DE ABRIL DE 2019. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp167.htm>. Acesso em:
ago. 2019.
LEI DA USURA.
Disponivel em: <DECRETO Nº 22.626, DE 7 DE ABRIL DE 1933.>. Acesso em:
ago. 2019.
LEI COMPLEMENTAR Nº 147, DE 7 DE AGOSTO DE 2014. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp147.htm>. Acesso em:
ago. 2019.
LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp123.htm>. Acesso em:
ago. 2019.
Código
Civil. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em:
ago. 2019.
[1]
Advogado, graduado em Direito pela
FADIPA – Faculdade de Direito de Ipatinga, em Minas Gerais. Inscrito nos
quadros da Ordem dos Advogados do Brasil há mais de 12 anos, atua atualmente no estado
do Espírito Santo nas áreas empresarial, trabalhista, civil, eleitoral e
administrativa.
[2] http://agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/empresas-simples-de-credito-ultrapassam-a-marca-de-200-negocios-criados,a39e72902a26c610VgnVCM1000004c00210aRCRD
[2] http://agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/empresas-simples-de-credito-ultrapassam-a-marca-de-200-negocios-criados,a39e72902a26c610VgnVCM1000004c00210aRCRD
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